A regulação prévia para pedidos de cirurgia ortognática

O gerenciamento da utilização dos serviços assistenciais pelo beneficiário é um dos mecanismos previstos de regulação assistencial da operadora e denominado autorização prévia. Este mecanismo deve estar previsto no contrato do plano privado de assistência à saúde, sendo aplicado a todo pedido de procedimento e evento eletivo em saúde que chegue à operadora de saúde.

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7 mar 2022

Tempo de Leitura: 7 min.
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perito odontologico

Todo pedido eletivo de procedimento ou evento em saúde a ser coberto pelas operadoras de planos de assistência à saúde se submete à avaliação de um auditor, o profissional da operadora, a fim de averiguar a adequação da indicação clínica do profissional assistente.

Frente a uma divergência técnicoassistencial entre os entendimentos do auditor e do assistente do caso, uma junta médica ou odontológica é formada para a dirimir, por meio da avaliação de um desempatador, cuja opinião clínica decidirá a divergência técnicoassistencial posta.

Desta feita, a solicitação de procedimentos e eventos em saúde, bem como a requisição de dispositivos médicos de implantação e de materiais especiais (OPME) devem seguir as indicações técnicas atuais, com racionalização do uso e contidos nas recomendações de boas práticas, no código de ética odontológica e nas resoluções e pareceres da Agência nacional de Saúde (ANS).

Os princípios das boas práticas em cirurgia bucomaxilofacial e o embasamento científico das terapias

Quando o profissional da saúde age conforme uma regra, seja técnica, assistencial e/ou ética, ele está em compliance. Assim, o plano de tratamento de afecções da saúde deve respeitar princípios técnicos básicos, a fim de se chegar a um correto diagnóstico, a uma indicação de terapias específicas ao problema detectado e um acompanhamento do doente, até sua cura ou reestabelecimento. Além disso, toda relação profissional deve se pautar no respeito ao paciente e no conhecimento científico atualizado, para se obter os melhores resultados técnicos e humanísticos.

O assistente deve estar imbuído de desejo real de ajuda ao próximo e integridade de princípios. Ademais, deve agir sempre em conformidade com as leis, diretrizes e regulamentos e em consonância com as boas práticas e padrões existentes. Como visto, as diretrizes, recomendações e parâmetros clínicos devem ditar as condutas assistenciais, sempre que possível, a fim de enquadrar as terapias propostas às evidências científicas de peso daquele assunto, naquele momento. Neste ponto, a RN no 465, de 24 de fevereiro de 2021, cita como princípio da atenção à saúde, a utilização das melhores práticas, baseadas em evidências científicas.

As coberturas assistenciais em saúde suplementar

Recentemente, a Lei no 14.307, de 03 de março de 2022, foi sancionada, alterando parte da Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, com a finalidade de dispor sobre o processo de atualização das coberturas assistenciais no âmbito da saúde suplementar.

Esta atualização de alguns dispositivos da lei de 1998, que dispôs sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, segue o previsto na Lei no 9.961, de 28 de janeiro de 2000, que criou e regulamentou as atribuições da ANS. Nesta, vemos que uma das atribuições do agente regulador é elaborar o Rol de procedimentos e eventos em saúde e de estabelecer normas relativas à adoção e utilização, pelas operadoras de planos de assistência à saúde, de mecanismos de regulação do uso dos serviços de saúde.

Contudo, a Lei no 14.307/2022 também embasa o princípio de que todo o Rol de procedimentos e eventos de saúde deva ser regulamentado exclusivamente pela ANS. Assim, apesar de termos a discussão no judiciário acerca da taxatividade do Rol (julgamentos no STJ: EREsp 1.886.929/SP e do EREsp 1.889.704/SP), vemos que o entendimento do legislativo e do executivo expressa que qualquer ampliação de cobertura assistencial é de competência única da ANS e que sua natureza é taxativa. Este entendimento também é partilhado pela ANS, como se vê no Art. 2º da RN no 465, de 24 de fevereiro de 2021.

A ANS, por meio da RN no 470, de 09 de julho de 2021, já tinha modificado o rito processual de atualização do Rol de procedimentos e eventos em saúde para semestral, alterando a antiga determinação bienal contida na RN no 439, de 03 de dezembro de 2018, agora revogada. Deste modo, a revisão do Rol passa a ser periódica, à medida que os pedidos de inclusão sejam protocolados na ANS para análise, o que dará mais celeridade na inclusão de novos procedimentos, exames e medicamentos.

Outras alterações dignas de nota desta lei de 2022 são: a) a inclusão automática no Rol, em até 60 dias, das tecnologias avaliadas e recomendadas positivamente pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC) e b) o reforço da não obrigatoriedade de cobertura de medicamento off label, visto quando aborda o tema de fornecimento de medicamentos contra o câncer de uso oral e domiciliar.

A deformidade dentofacial

A cirurgia ortognática é um ramo da especialidade da cirurgia e traumatologia  bucomaxilofacial e tem como objetivo o tratamento das desordens dentofaciais. É um procedimento cirúrgico que tem como base primordial a correção de deformidades dentofaciais e mal oclusões, que podem ser congênitas ou acidentais, por meio dos atos cirúrgicos em combinação com o tratamento ortodôntico. A correção da relação maxilomandibular favorece a recuperação das funções mastigatórias, da fonética, da respiração e da estética facial. Estas mudanças influenciam diretamente na vida pessoal e social do indivíduo.

Pela definição da cirurgia em discussão, vemos que é necessário estabelecer presença de deformidade dentofacial. Assim, a descrição clínica e exames completares devem estar alinhados e embasar o CID correto a ser usado. Se não informado ou erroneamente escolhido, pode ocorrer negativa da operadora de saúde, baseada num parecer técnico que aponte estes desvios técnicos. Para casos com indicação de cirurgia ortognática, o uso de códigos diagnósticos da família do K07 [Anomalias dento faciais (inclusive a maloclusão)] podem e devem ser utilizados.

As cirurgias para deformidade dentofacial no contexto do Rol da ANS

Não há uma única nomenclatura de procedimento na Tabela 22 da TISS/2021 (Terminologia de Procedimentos e Eventos em Saúde) para codificar uma cirurgia ortognática, pois temos espectros diferentes de cirurgia para deformidade esquelética da face, variando desde uma expansão rápida de maxila assistida cirurgicamente (ERMAC) até uma cirurgia ortognática combinada, associada com mentoplastia e demais segmentações maxilares e/ou mandibulares.

Cirurgias monomaxilares podem ser expressas pela Osteoplastia para prognatismo, micrognatismo ou laterognatismo (TUSS: 30208025) ou Osteotomia tipo Lefort I (TUSS: 30208050). Cirurgias ortognáticas combinadas, isto é, com abordagem concomitante em ambos os maxilares, devem exibir as duas codificações apresentadas.

Cabe destacar que o uso da osteotomia tipo Lefort I pressupõe abordagem em septo nasal e remoção de conchas nasais inferiores, o que afasta o uso de codificações suplementares, uma vez que os procedimentos estão inclusos no principal. Assim também ocorre para hemostasias de artéria esfenopalatina ou demais atos necessários à completude do procedimento principal planejado. Esta improcedência pode ser caracterizada por COBRANÇA DE PROCEDIMENTO INCLUSO NO PROCEDIMENTO PRINCIPAL (Código do termo:1817 da Tabela 38 da TISS/2021 – Terminologia de mensagem de glosas, negativas e outras da ANS).

Se uma mentoplastia é associada, situação comum na prática clínica e altamente necessária, o uso das Osteoplastias de mandíbula (TUSS: 30209021) pode ser adicionado. Esta terminologia também cobre osteotomias subapicais ou demais segmentações inusuais da mandíbula.

Se segmentações maxilares foram planejadas ao caso, como nas deformidades transversas da face associadas a outras alterações esqueléticas, o uso da Osteotomias segmentares da maxila ou malar (TUSS: 30208041). Cabe destacar que cada codificação usada deve ser precedida de uma justificativa clínica de seu uso, o que determinaria enviar o plano de tratamento do caso para a regulação prévia, como traçados predictivos, cirurgias de modelos ou planejamento virtual realizado. Sem essa justificativa da indicação clínica deste procedimento, há risco de entendimento de PROCEDIMENTO NÃO CONFORME COM CID (Código do termo:1808 da Tabela 38 da TISS/2021 – Terminologia de mensagem de glosas, negativas e outras da ANS). Este código de negativa prévia da TISS/2021 também se aplica a uso de osteotomias craniofaciais ou demais osteoplastias ou osteotomias de face.

As deformidades transversas de maxila podem ser tratadas em um ou dois tempos operatórios. A terapia conjunta, em um único tempo operatório, determina uso de três a quatro códigos TUSS já citados. Contudo, a escolha por dois tempos cirúrgicos separados determina uma primeira cirurgia para correção da afecção laterolateral da maxila, isoladamente, com uso da ERMAC. Nesta situação, deve-se usar a Osteotomia da mandíbula e/ou maxila com aplicação de osteodistrator (TUSS: 30208157), desde que haja aderência à diretriz de utilização (DUT) no 144 atrelada a este código. Antes desta terminologia ser incorporada em 2021 ao Rol da ANS, usava-se as próprias Osteotomias segmentares da maxila ou malar (TUSS: 30208041), mas com ampla discussão acerca do OPME mais acertado ao ato operatório principal, o distrator ósseo ou o expansor de Hyrax. Enquanto um é considerado um verdadeiro OPME, o expansor é confeccionado pelo ortodontista do caso e fixado aos dentes do usuário, promovendo a expansão necessária da maxila, até a correção da mordida cruzada posterior. Ambos são efetivos clinicamente e possuem igualmente indicações relativas e absolutas, onde o auditor deve avaliar a especificidade e justificativas de cada caso, para determinação de expressa indicação deste OPME. A ausência de justificativa do assistente para determinada codificação enseja o entendimento de JUSTIFICATIVA TECNICAMENTE NÃO SATISFATÓRIA (Código do termo:3034 da Tabela 38 da TISS/2021 – Terminologia de mensagem de glosas, negativas e outras da ANS).

Portanto, o pedido de cirurgia ortognática deve exibir alinhamento entre a descrição clínica do caso pelo assistente, exames complementares e o CID. Além disso, os códigos TUSS são restritos e específicos, sempre necessitando de justificativa clínica de cada item pedido, sob pena de entendimento de não conformidade entre procedimentos e diagnóstico. Além disso, a lista de OPME deve ser a mais concisa e precisa possível, sem excessos ou preferências pessoais e somente indicação de OPME ligados aos atos cirúrgicos (TUSS) indicados. Observar as exclusões de cobertura, como OPME off-label ou citados em pareceres técnicos da ANS devem ser evitados.

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Sobre o autor:

Dr. Marcelo Minharro Cecchetti
Assistente Técnico das partes Cirurgião-Dentista pela USP em 1996 Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial Habilitação em Odontologia Hospitalar Supervisor Técnico em Odontologia do HCFMUSP Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Odontologia Perito do TJSP

1 Comentário

  1. Marcos Oliveira

    Excelente

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